quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Homicídio nº. 52001

No dia 27 de Outubro de 2011, passada quinta-feira, três sicários entraram no autocarro que transportava Carlos Cuevas e crivaram-no com dezasseis balas.
Este jovem estudante de Filosofia da Universidade Nacional Autónoma do México havia-se distinguido por denunciar tanto a violência dos narcotraficantes quanto a progressiva militarização do seu país por parte do governo do presidente Calderón.
Na altura desta execução, realizada à luz do dia e em local público, estimava-se que 52 000 pessoas tivessem sido assassinadas pelos cartéis de traficantes mexicanos. A estes homicídios somaram-se, no decorrer da última semana, o de Carlos Cuevas e os de mais trinta e um seus compatriotas igualmente varridos a balazos (Excelsior, 29.10.2011).
Contrariamente ao que se ouve dizer, a violência brutal e sistemática que atravessa o México não se fixa nas regiões próximas da fronteira com os Estados Unidos, nem resulta exclusivamente de disputas entre grupos de criminosos. Pelo contrário, estende-se a todo o território e visa todos aqueles que se oponham, de alguma forma, ao crime organizado, designadamente através denúncia da corrupção e dos danos impostos, pelos traficantes, e, também, pelas autoridades, à vida colectiva. Muito recentemente, o diário espanhol El País (29.10.2011) dava notícia de 60 jornalistas mexicanos mortos e de mais 20 desaparecidos, ao longo dos últimos anos.
Em debate no XVI Congreso Internacional de Filosofía, promovido pela Asociación Filosófica do México, subordinado ao tema Filosofía: razon y violencia, Rosário, colega de Carlos Cuevas, sublinhou de forma intensa e eloquente que entre estes danos conta-se o da indiferença.
Uma vez conhecido o homicídio, um grupo de colegas percorreu a faculdade para o noticiar e propor a suspensão das aulas do dia. Porém, muitos acharam que o assassinato de um colega não era motivo para qualquer gesto, pelo que as aulas de várias cadeiras continuaram a decorrer.
No México, como em grande parte da restante América Latina, o narcotráfico destrói o Estado, corrompe os seus agentes, impõe a lei, investe em novas actividades criminosas sórdidas, liquida a economia corrente, expulsa milhões de cidadãos dos seus territórios, constitui poderosos centro de poder oculto, ameaça directamente a liberdade e a democracia, como foi reconhecido, aliás, no documento final de uma das últimas cimeiras ibero-americanas (aquela de que a comunicação social portuguesa só julgou interessante dar a notícia de que José Sócrates se tinha apresentado como o caixeiro-viajante do computador Magalhães). 
Ora, o poder alcançado pelos narcotraficantes, bem como a concorrência que estabelecem entre si, tem uma fonte precisa: a rentabilidade singular de um negócio em que o valor da mercadoria vendida representa milhares de vezes o preço pago ao produtor.
Por sua vez, esta valorização tem uma origem límpida: a proibição da produção e do acesso às drogas, por este motivo, ditas ilegais.
Hoje, o México é, no seu conjunto, uma grande Chicago dos anos 30, como as catadupas de crimes e de prisões que os noticiários e os jornais locais diariamente dão conta revelam inequivocamente.
Um pouco por todo o lado, máfias incomparavelmente poderosas medram, amedrontam e silenciam, enquanto as autoridades inauguram semanalmente novos quartéis, improvisam, nos locais mais variados, postos de controlo dos cidadãos, disseminam, por todo o lado, pórticos detectores de metais.
Porém, como nem todos se deixaram vencer pelo medo instituído ou pela indiferença face à ignomínia quotidiana, há quem – como Carlos Cuevas e Rosário - continue a dar o mais elevado testemunho de coragem, de integridade e de esperança numa sociedade em que o recurso à violência seja superado por medidas racionais e capazes.

Luís A.

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