domingo, 20 de novembro de 2011

Anotações nas margens do texto “Da democracia”



O texto anteriormente publicado – Da democracia – tem a virtude singular de nos convidar para a tarefa do pensar. Não apenas pelo seu horizonte de problematização, que aponta para a clareira de respostas onde não há lugar para o lugar-comum, mas sobretudo pelo que sugere em termos da weltanschauung que ameaça reconfigurar o modo como nos organizamos politicamente em comunidade.
Concentremo-nos no argumento que suporta o texto. A fragilidade da democracia (a outra face do seu declínio) resulta do abandono do seu cultivo e do esquecimento das suas origens, abandono que se traduz no afastamento da sua matriz ética e no esquecimento dos seus valores originários. À medida que se afasta e esquece o seu “ethos” primitivo, a sua legitimidade (a da soberania expressa pela vontade do povo) é questionada e, consequentemente, substituída pela soberania dos mercados. Este é o sinal dos tempos e dos perigos que se avizinham.
O tom heideggeriano do texto sugere que avancemos uns passos adiante. Deixemo-nos então iluminar pelas questões. Qual o significado da (quase) ausência de questionamento da legitimidade do poder dos mercados financeiros? Não se traduzirá no esquecimento do político e na sobrevalorização do económico? A história desta transformação, em curso nos últimos trinta anos na Europa, está em parte ainda por fazer. Trata-se, no entanto, de um fenómeno que acompanha o ritmo da globalização económica e do desmantelamento da forma política chamada estado-nação.
Ao projecto de construção de um império económico europeu subjaz o ideal de um império democrático de natureza transnacional, a culminar na concretização de uma utopia – os Estados Unidos da Europa. Em consequência, assistimos a um deslocamento do poder. À semelhança do capital globalizado, sem rosto nem fronteiras, o poder desloca-se das mãos do povo para as manápulas dos representantes da nova ordem mundial a que chamamos mercados. Como diz Pierre Manent: “A versão europeia do império democrático assinala-se pela radicalidade com a qual ela destaca a democracia de qualquer povo real e constrói um kratos sem demos. O que doravante detém o kratos é, em suma, a Ideia de democracia.” (A razão das Nações, Reflexões sobre a democracia na Europa, Ed. 70 ) Refém dos mercados, a democracia transforma-se em tecnocracia financeira, em resultado da usurpação do poder popular por parte dos representantes dos interesses da alta finança, ao mesmo tempo que se esvazia de sentido e vê os cidadãos virarem-lhe as costas e votá-la ao esquecimento.  
Da democracia real, feita por cidadãos e para os cidadãos, resta-nos cada vez mais a sua ideia, que historicamente teve um espaço próprio de concretização e de legitimação – os estado-nação. Não será o esquecimento disto que nos conduz à constatação de que vivemos na época de todos os perigos?
José M.

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