É
costume associarmos a palavra fundamentalismo
a formas de governo teocráticas e a países em que predomina uma visão
conservadora das crenças religiosas, assim como à tendência para orientar os
crentes no sentido de um regresso aos dogmas considerados como fundamentais ou
originários. O fundamentalismo islâmico é, hoje por hoje, o exemplo que nos vem
imediatamente à cabeça. No entanto, atitudes fundamentalistas não são
exclusivas de assuntos religiosos nem de governos ditos autocráticos e
iliberais. Mesmos em países de governos classificados como democráticos e
liberais, como é o caso do governo português, os tiques fundamentalistas podem
tornar-se evidentes.
O
primeiro deles é sem dúvida o fundamentalismo do mercado. Impera no governo a
crença de que os mercados – e não a política – constituem a solução para todos
os nossos males. O regresso aos mercados transformou-se na ideia de paraíso que
nos salvará do inferno em que, por culpa própria, entretanto vivemos. Inevitavelmente,
teremos de passar pelo purgatório de um programa de empobrecimento
(in)voluntário – em curso - e, paralelamente, por um processo de emagrecimento
do estado. Tudo isto à revelia da vontade popular. Apenas porque a Troika, a mando dos mercados, dixit. Depois disso, os mercados farão
o seu trabalho. Virão charters de investidores estrangeiros, que
produzirão tanta riqueza que sobejará dos seus bolsos e escorrerá até aos dos
mais pobres.
Outro
tique fundamentalista pode ser constatado nas últimas medidas que o ministro da
saúde quer impor aos cidadãos que sofrem da doença
do tabagismo. Trata-se simplesmente de proibir aos fumadores o seu vício, no
espaço privado dos seus automóveis, quando acompanhados de crianças. O problema
não está na possibilidade de fiscalizar ou não o interdito. Está, em primeiro
lugar, no abuso do poder do estado face à liberdade do indivíduo; em segundo
lugar, encontra-se na sobredeterminação do privado pelo público; por último, na
imposição ao cidadão comum da ideia de bem, não o deixando escolher o que para
si é uma “vida boa”. Tudo isto poderia ser compreensível, não se desse o caso
de estarmos perante um governo que se diz liberal ao mesmo tempo que pretende
legislar contra os princípios basilares do liberalismo.
O
cerne do fundamentalismo assenta numa crença que, à força da sua repetição, tem
pretensões de exclusividade à posse da verdade. Essa crença assume, no mundo
ocidental e nos últimos trinta anos, uma feição económica. Oriunda das escolas económicas austríaca e de Chicago (cujos gurus
foram Friedrich Hayek Milton Friedman) corre mundo, globaliza-se e faz doutrina.
Ela exprime-me hoje na mais perigosa de todas as ideias, em termos políticos:
não há alternativa!
José M