Fui um cliente mais ou menos assíduo das lojas Pingo
Doce. Nunca o fui por qualquer convicção específica, do género “os seus
produtos são mais frescos” ou “poupa-se mais comprando nas suas lojas”.
Confesso até que me irritam os spots
publicitários em que se canta em coro uma cantilena que nos promete o melhor
dos mundos e termina com um “venha cá” salvífico. A minha fidelidade é mais do
tipo preguiçoso. O Pingo Doce está ali mesmo à mão, que é como quem diz “é ali
mesmo ao virar da esquina”. Mesmo quando rebentou há dias o escândalo da fuga
aos impostos do grupo Jerónimo Martins para o paraíso fiscal da Holanda,
mantive-me serenamente fiel à minha preguiça crónica. Não sintonizei de pronto
a onda de indignação patriótica, nem comunguei do desejo de punir os traidores
e de aderir à ideia do boicote aos negócios daquele grupo económico. Sou até capaz
de compreender as razões do empresário, à luz da lógica da globalização
económica de rosto capitalista. Contrariando a tese de Max Weber, o rosto do
capitalismo actual não tem ética. Também eu, se me concedessem a hipótese de
escolher, pagaria os meus impostos num outro país de horizontes económicos mais
promissores. E não me importaria com os nomes que me chamassem.
No entanto, hoje de manhã tudo mudou. Ao chegar à
entrada do Pingo Doce perto da minha casa, uma menina fardada a condizer pôs-me
nas mãos um folheto
com o título “Esclarecimento aos nossos clientes”. Li-o num ápice. De repente,
deu-me uma vontade danada de mandar às urtigas aquela fidelidade consolidada
por um longo hábito tecido de preguiças mesquinhas. Disse de mim para comigo “Shit! Estou esclarecido.” e dei corda aos sapatos. Talvez um dia
venha a esquecer este episódio e volte lá.
José M.